Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura

| domingo, 23 de janeiro de 2011 | |
Yara estava realmente apertada para ir ao banheiro. Estacionou seu carro na garagem, abriu a porta e saiu praguejando contra a vontade insuportável de urinar, nem se importando em fechar a porta ou desligar o rádio que guinchava aos acordes alucinados da guitarra de Jimi Hendrix. Ela e o marido estavam passando alguns dias em sua casa no lago, que fica em uma região praticamente desabitada no interior do estado. Nessa época do ano não havia movimento nenhum por perto, e ficaria assim por alguns meses, até que chegasse a época das férias escolares, e era exactamente isso o que eles estavam procurando quando decidiram passar uns dias na casa do lago. Eles queriam uma espécie de segunda lua-de-mel. Ela acabara de voltar do super mercado e achava que se demorasse mais um segundo para ir ao banheiro não aguentaria e acabaria urinando nas calças. A porta da sua casa parecia estar a anos luz de distância e ela correu desajeitada, apertando as pernas. Se não estivesse tão desesperada para ir ao banheiro, talvez tivesse notado o detalhe um pouco inquietante: a porta da entrada não estava trancada. Ao invés de reparar nisso, ela quase derrubou a porta ao entrar, atravessou o hall de entrada em direcção ao banheiro do andar de baixo, que ficava depois da cozinha, nos fundos da casa. Parou de repente porquê escutou um som estranho vindo da cozinha. Estava parada no corredor, entre a sala de estar e a própria cozinha, a respiração ofegante, a vontade de urinar cada vez mais insuportável. Sua calcinha já estava húmida de gotas de urina que escaparam do seu controle, mas o medo a manteve paralisada e atenta ao som que ouvia. Era baixo e aterrorizante, mas era um som que ela conhecia muito bem. Era o som de faca cortando carne. Ou melhor de faca "destrinchando" carne. Conhecia esse som muito bem desde os seus 18 anos, porque seu marido Tony era o açougueiro do bairro onde moravam. Mas não podia ser ele na cozinha. Há poucas horas ele tinha saído para pescar no lago, e quando ele saia para pescar, levando sua embalagem com seis cervejas dentro de um isopor, ele só voltava ao anoitecer para o jantar. Avançou mais um pouco, o mais silenciosamente que conseguiu, apertando as pernas para conter sua vontade de ir ao banheiro, e tentou ver do lugar onde se encontrava se conseguia avistar quem estava na cozinha. Encostada no batente da porta, ela se encolheu e conseguiu ver sem ser vista: era um homem, completamente estranho. Ele estava de costas para a porta da cozinha, debruçado sobre a mesa, na frente do que a princípio parecia ser um boi inteiro nadando em sangue. As paredes, janelas e todos os eletrodomésticos e demais utensílio da cozinha estavam encharcados de sangue. O homem se inclinou e enxugou a testa com a manga do paletó, um gesto peculiar de quem esta suando e cansado do trabalho duro. O medo que até então estava só esperando um empurrãozinho para começar a dar sinal de vida se manifestou, porque agora que ele se inclinou ela pôde ver que, afinal de contas aquilo na mesa sendo retalhado não era um boi. Não, não era boi coisa nenhuma e sim uma pessoa, e estava usando botas de cowboy, muito parecidas com o par que seu marido tinha, aquele que ela lhe deu de presente no Natal passado e que ele sempre usava quando ia pescar no lago. Sentiu um líquido quente escorrer pelas pernas e um alívio repentino na bexiga, e notou sem muito interesse que finalmente urinara nas calças. Mas isso não era o mais importante agora. O importante mesmo era que esse camarada que estava ali na sua cozinha, usando a faca Gynsu de seu marido cortar carne, fazendo seja lá o que for com uma pessoa, e por favor meu Deus, que essa pessoa não seja o Tony, não notasse que ela estava ali, pelo menos até que ela chegasse ao seu carro na garagem e... Mas no momento em que ela pensou em se virar cautelosamente e sair, como se o homem tivesse conseguido ler seus pensamentos, uma voz terrível, rouca e cadavérica, como se saída da boca de um defunto, falou calmamente, sem que o homem sequer se virasse ou interrompeesse o que estava fazendo: - Sei que você está aí. Ouvi o barulho do carro chegando e além disso você esqueceu de desligar o rádio. Está ouvindo? Gosto dessa música. Lá fora, o rádio de seu carro continuava tocando música muito alta, só que as guitarras de Jimmy Handrix agora foram substituídas pelo som dos The Doors tocando People are Strange. Ele começou a cantarolar a música e se virar bem devagar... Yara gritou quando viu seu rosto. Qualquer um gritaria. Ele era totalmente deformado, o rosto parecia mais uma máscara do dia das Bruxas, com dentes podres e lábios arreganhados em um sorriso hediondo. Mas o que a fez gritar não foi a sua deformidade, mas sim o que viu em seus olhos: loucura e maldade. Seus olhos eram cruéis, e irradiavam um ódio contido por tudo que fosse vivo. Sua boca estava suja de sangue e ela notou com crescente horror que ele havia lambido o sangue que escorria do corpo. Ele veio em sua direcção e ela ainda tentou correr, mas ele agarrou-a pelos cabelos e puxou-a pra si, dando uma gargalhada terrível. Ela tentou fugir golpeando e chutando a esmo, mas ele era muito forte, parecia que tinha uma força sobrenaturalbatom nos lábios, imitando um sorriso de palhaço e nas suas mãos tinha um cartaz escrito: "Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura, o pior pecado é a Luxúria". O desconforto na sua cabeça foi aos poucos ficando mais intenso. Depois de muito tempo ela percebeu que eram gotas que caiam na sua cabeça. Talvez algum cano tivesse estourado bem em cima dela. Depois ela notou que na parte da cabeça em que caiam os pingos não havia cabelos. Isso era certeza, porque ela podia sentir as gotas caindo directamente sobre seu couro cabeludo e incomodando muito. Horas se passaram. Agora as gotas que caiam a todo o momento na sua cabeça pareciam ser feitas de chumbo. Tentando freneticamente se livrar das cordas, ela cortou os pulsos e se machucou inutilmente, sem conseguir se mover sequer um milímetro. A dor na cabeça estava ficando insuportável. Como ela não podia mexer a cabeça, as gotas caiam continuamente e num ritmo bem calmo, sempre e sempre no mesmo lugar... Ping, ping, ping... " Casal encontrado assassinado em casa. O açougueiro Antônio Marcos Ravel e sua esposa Yara Felix Ravel foram encontrados mortos depois de setenta e quatro dias, na sala de estar de sua casa de veraneio. Os corpos foram descobertos pelo vizinho, que veio passar as férias com a família e notando o cheiro que saía da casa, resolveu chamar a polícia. O Sr. Ravel foi encontrado na sala de estar, todo mutilado e retalhado, usando uma peruca e uma saia, maquiado de forma grotesca. Em seu corpo não restava uma gota de sangue. Sua esposa estava amarrada na cadeira da mesa de jantar, imobilizada, o assassino perfurou um cano bem acima da cabeça da vítima, fazendo com que gotas de água que caiam continuamente no mesmo local em sua cabeça, perfurassem seu crânio, levando a mesma a morte após vários dias de sofrimento e agonia. Ambos os corpos estavam em avançado estado de decomposição. O casal não tinha inimigos e eram pessoas honestas e trabalhadoras. Nada foi roubado e a polícia não tem pistas do assassino e nem do motivo de um crime tão brutal."

5 comentários:

Anita dos Anjos Says:
23 de janeiro de 2011 às 15:03

Fortíssimo!!!!! Vc deu uma embolada na parte que ela tentou fugir, dá uma lida para revisar! Mas ficou ótimo, eu li "A estrada da noite" de Joe Hill, ele gosta de contos e histórias macabras, dá uma lida, vc vai gostar!!!! Adorei os detalhes do texto, ah e eu te adicionei no meu hotmail!!!! bjs

Kennedy Says:
23 de janeiro de 2011 às 15:41

Eu ainda estou apreendendo a fazer contos,estou praticando muito,fazendo um cursinho tbm.com o tempo vai ficar melhor.Obrigado pela visita.bjs

Wellington Gabriel Says:
24 de janeiro de 2011 às 21:14

Gostei do conto, sou fã de contos de horror, descobri seu blog por acaso em uma comunidade no orkut, e digo, foi uma feliz descoberta! apesar de ser fã desse tipo de literatura não tenho vocação para o mesmo, sou mas tendencioso ao sarcasmo e humor ( http://meuamigo-imaginario.blogspot.com ) se quiser pode conferir depois.

enfim bom texto, vou aproveitar e dar uma lida nos outros.

grande abraço e sucesso!

Kennedy Says:
24 de janeiro de 2011 às 21:21

Wellington Gabriel ,obrigado pela visita,que bom que tenha gostado,o blog ando meio parado,porque alem desse tenho outros,e eu estou tendo um curso,mas em breve muita coisa vem por ai.abraço

Anita dos Anjos Says:
1 de fevereiro de 2011 às 14:14

Te indiquei um selo, passa no meu blog! beijinhus

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